quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O lobisomem

por Andrei Gabriel Fucilini

Morávamos sozinhos, em uma cidade do interior, eu, meinha irmã e nossos pais, que eram agricultores e trabalhavam o dia inteiro. Nossas propriedades são infinitas, muitas vezes, eles nem voltam para casa à noite, dependendo da distância que percorriam. Nossa vida é simples, sem mistério. Todo dia acordamos cedo. Tiramos o leite da vaca, nos alimentamos do pão caseiro, e esperamos o transporte escolar chegar, para que, no futuro, possamos ir para a cidade. Eu e a mana temos até um sonho, de abrir um escritório de advocacia juntos. Mas que nada, vamos seguindo, dessa maneira, até quando o destino quiser.
Já passavam das 19 horas da noite, papai e mamãe ainda não haviam voltado. Chamei minha irmã, para que me ajudasse a fechar a casa, pois era muito grande e tinha algumas janelas difíceis de serem lacradas. Fomos de cômodo em cômodo fazendo os trabalhos, para que, nossa segurança não ficasse em risco. Nossos pais sempre falavam que tínhamos que chavear portas e janelas antes da noite cair. Eu, na verdade, não tenho medo nenhum, aqui não têm bandidos, mas de qualquer forma é melhor seguir os costumes.
Fiquei na esperança dos nossos pais voltarem antes de cair no sono, a gente tinha o costume de rezar todos juntos, pedindo proteção e agradecendo antes de dormir. O devaneio estava aflorando e resolvi dormir. Não sei se a mana já estava na cama ou não, mas de qualquer forma, adormeci. No outro dia, a rotina seguiu como de praxe.
Era sexta-feira, a noite estava chegando e mais uma vez, nosso pais não voltaram embora. Confesso que já estava ficando um tanto quanto preocupado, mas não era a primeira vez que isso acontecia. Antes de fechar a casa, convidei minha irmã para irmos brincar um pouco lá fora, já que, no sábado não tínhamos aula mesmo. É sempre bom. Papai e mamãe não gostavam que a gente ficasse lá no escuro, falavam que havia cachorros bravos nosarredores.
Ficamos no campo brincando, porém, um barulho suspeito surgiu do mato. Parecia que tinha gente se aproximando, mas como poderia ter alguém por perto? Nossa casa fica a muitos quilômetros da cidade. “Deve ser besteira, vamos continuar brincando aqui. Vamos até os balanços, quero sentir a brisa da noite.”
Depois de cansados, fomos para dentro de casa, trancamos as portas, tomamos banho e fomos dormir. No outro dia quando acordamos mamãe e papai já estavam em casa, logo abracei com saudade e falei que já estava sentindo falta. “Não fiquem mais tanto tempo assim fora de casa, eu sinto falta, a mana estava com dificuldades na escola e eu também não sabia ajudar.”
Percebi que mamãe estava meio brava, perguntei se havia acontecido algo. “Estou um pouco chateada por ter ficado fora e não ter visto vocês durante esses dias. Ainda mais que vocês esqueceram de fechar as janelas.”  Fiquei meio em dúvida, pois conferi, e tudo estava devidamente trancado, mas de fato posso ter esquecido de algo.
No domingo era de costume almoçar churrasco. Estava muito bom por sinal, se pudesse comeria todos os dias. Papai sabia mesmo o que estava fazendo. No anoitecer, convidei a mana para brincarmos ao redor das cinzas que sobraram. Nossos pais estavam conversando em casa e não perceberam nossa presença lá fora. Até porque, se tivessem notado, já teriam nos mandado para dentro. Novamente, a gente percebeu uma movimentação nas proximidades e ficamos apreensivos, mas nossos pais estavam em casa, não tinha com o que se preocupar. Resolvemos ir mais de perto conferir que tipo de animal estava tentando nos sacanear, com certeza era um dos nossos porcos ou galinhas. “Mana corre aqui! Meu Deus o que é isso? Nossas galinhas estão todas mortas, com sangue, e depenadas.” Vimos uma sobra passando por trás de nós. E logo, ouvi a mãe gritando, “é ele, não se movam”. Começou a rezar e logo apareceu o pai com uma espingarda. O animal foi para a nossa frente, ele era realmente muito amedrontador, tinha cabeça de cachorro, patas, ficava em pé, e dava cinco vezes o meu tamanho. Não sabia o que fazer, cheguei a pensar que isso era uma brincadeira ou pegadinha, foi então que não lembro mais de nada.
“Amor, como a gente teve esse descuido? As crianças não podem sair mais essa hora. Ele está de volta, eu sabia. A gente sempre soube.”
“Não sei, querida. Mas até eu estou com medo, talvez seja melhor mandarmos eles para uma escola de ensino integral”.
Acordei para ir para a aula, mas não me lembrava direito o que havia acontecido na noite anterior. “Será que vi um Lobisomem? Isso é loucura, essas coisas não existem. Fui para a aula, e segui o dia normalmente.
Era quase meia noite, estava na cama, comecei a suar frio. Não sabia ao certo o que estava acontecendo, me olhei no espelho, e meu rosto parecia com o de um cachorro...

Não sei o que vai acontecer daqui para frente. Não sei o que fazer e nem com quem falar. Tenho medo de contar para minha irmã e para meus pais. Tenho medo de virar um monstro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário