sexta-feira, 26 de julho de 2013

Confidências assombrosas: diário da história de um índio chamado Xindangue

por Bruna Danelli

15 de janeiro de 1923
Acordei, pela manhã, em meio a uma revolução. Não sei bem do que se trata. Papai e mamãe ficam trancados em casa. Não deixam meus irmãos e eu brincar lá fora. Ouvi eles proseando, agora de tarde, ao redor do fogão à lenha sobre uma tal revolta. Perceberam que eu estava perto. Calaram-se. Curiosa, perguntei do que se tratava. “Isso é conversa de gente grande!”, foi a resposta que eu tive. Devo ter ouvido errado.
Meu pai não foi na bodega essa semana. Por isso, vou parar de escrever por hoje, pois o estoque de velas está acabando.
16 de janeiro de 1923
Não fui na escola. Minha mãe disse que meu professor estava doente. Meu professor é meio revolucionista, não se abate com qualquer coisa. Não acreditei, mas gostei da ideia de ficar em casa. Pena que não pude ir brincar lá fora. Meu pai e minha mãe trataram os bichos, de manhã cedo, e ficaram dentro de casa. Essa história está muito estranha.  Vi meu pai saindo de casa hoje de tarde. Ele foi na bodega e trouxe algumas velas, um saco de arroz e mais algumas coisas. Parecia que estava estocando alimentos em casa. De tardizinho, quando minha mãe foi tirar leite, vi que meu pai estava conversando com ela. Saí escondida de casa e fui para o galpão perto da estrebaria. Meu pai disse que ouviu no rádio que estavam se aproximando. Mas quem estava se aproximando? Meu pai tinha os olhos arregalados e mãos tremendo. Isso quer dizer, que coisa boa não é. Minha mãe ficou calada, mas com a aparência de preocupada.
17 de janeiro de 1923
Essa noite, acordei com um susto. Escutei ao longe tiros de espingarda, latidos de cachorros e tropés de cavalos. Quando amanheceu corri contar pra minha mãe. Ela estava passando o café na cozinha e se virou. Menina, você deve ter sonhado. Insisti. Mesmo assim ela continuou a dizer que eu tinha sonhado. Ninguém acredita em mim. Estou com um pressentimento de que algo está errado. Meus pais ficam mudos. Hoje de meio dia, quando estávamos almoçando, meu pai falou que não podemos deixar as velas acesas durante a noite e temos que dormir cedo. Por isso, hoje tive que escrever mais cedo, porque daqui a pouquinho vou dormir.
18 de janeiro de 1923
Hoje tive a certeza que não sonhei. E ai de quem me dizer ao contrário. Eu demorei pra dormir. Ouvi os mesmos latidos, tropés e tiros da noite passada. Eu também vi que meu pai acendeu a vela e escutei minha mãe tramelando a porta. Acho que eles tinham esquecido de tramelar. Meu pai veio até o nosso quarto pra vê se a gente estava dormindo. Fingi que estava. De manhã, antes de sair o sol, meu pai estava de pé. Minha mãe nem foi tirar leite. Ela foi no nosso quarto e disse pra dormirmos mais um pouco, porque não ia ter café da manhã. Perguntei se ela estava com medo de sair de casa, por causa da noite passada. Ficou louca, menina?,ela me respondeu bruscamente. Não aguentei e falei tudo o que eu tinha ouvido na noite passada. Ela me fez levantar da cama e me levou até a cozinha. Como sou afilha mais velha, ela me disse que não posso contar nada aos meus maninhos mais novos. Me senti guardiã de uma informação secreta que ninguém jamais iria ter. Ela me falou meio por cima de uma tal revolução que está acontecendo. Minha mãe não sabe ao certo sobre a revolução. Só me disse o que meu pai havia escutado no rádio da bodega. Tenho que proteger meus irmãos. Já está na hora de dormir, pois se ficarmos com luzes ligadas podemos ser os alvos da revolução.
19 de janeiro de 1923
Não dormi direito à noite. Os tropés de patas nessa madrugada foram maiores. Acho que gigantescos. Parecia que havia uma manada fugindo. De manhã, bem cedinho, estávamos reunidos perto do fogão a lenha e escutamos tiros, mas agora eram muitos. Os tropés pareciam fugir.  Em poucas horas, não se ouviu mais o barulho. Meu pai e minha mãe só se olhavam, com uma expressão de medo. Meus irmãos pequenos perguntaram a eles o que estava acontecendo. Eu disse pra eles que não era nada, e eles tinham que ir brincar no quarto. De tarde, a cena que meu pai viu foi horrível. Corpos jogados ao chão, estraçalhados de tiros, que estavam no fundo das terras de meu pai. Voltou espantado. Perguntou a minha mãe o que fazer. Ela disse que ele teria que enterrar, mas teria que esperar passar pelo menos um dia, para que tivessem a certeza de que estavam seguros, e que ninguém faria mal para a nossa família. Dessa vez, participei da conversa. Pois na verdade eu não sou mais uma criança, tenho 14 anos e muitas meninas da minha idade já casaram e tiveram filhos.
20 de janeiro de 1923
Meu professor veio até minha casa, pela manhã. Veio especular meu pai sobre o que ele tinha visto e ouvido. Meu pai contou tudo o que aconteceu nesses últimos dias. O professor explicou mais sobre a revolta. Disse que se tratava de uma revolução entre uns talde Maragatos e Chimangos. Papai falou que não era de nenhuma força e que por isso não saía de casa, para não ser confundido e ser morto. Meu professor perguntou o que ele faria com os mortos. Vou enterrar amanhã, tudo estará mais calmo, disse papai. Está certo, na semana que vem teremos aula, quem sabe até lá tudo se tranquiliza, disse o professor. Meu dia foi chato, espero que amanhã eu possa ir olhar meu pai enterrar os mortos.
21 de janeiro de 1923
Hoje eu madruguei. Estava cheia de expectativa. Mas meu pai não quis me levar junto pra enterrar os mortos no combate. Saí escondida da minha mãe e segui meu pai. Ele me enxergou quando eu já estava lá no local. Me mandou ir pra casa. Não escutei. Ajudei ele a enterrar. Enterramos uns seis corpos e, quando estávamos voltando, ouvimos uns gemidos atrás de uns arbustos e uma árvore. Meu pai foi rapidamente até lá. Era um índio. No pescoço um lenço vermelho. Ainda estava vivo. Mais morto do que vivo, mas estava vivo. Meu pai pediu que eu fosse lá em casa pra buscar um crucifixo. Busquei. Meu paicolocou no peito do índio. Dentro de alguns minutos ele morreu. Para esse, meu pai fez um túmulo mais caprichado. Esse lutou para viver. Esse devia ser o comandante da tropa. Aquele lenço o identificava. Enterrou ele ao pé da árvore.
22 de janeiro de 1923
Um boi, hoje de manhã, escapou e foi para as bandas dos túmulos que meu pai fez. Meu pai voltou de lá, sem cor. Parecia aterrorizado. Sentou na cadeira perto do fogão e nem quis o mate que minha mãe ofereceu pra ele. O que que foi, homem? Viu assombração? Ficou calado. Depois de cinco minutos, abriu a boca. Vocês não vão acreditar. Aquele homem, que achávamos que era o comandante da tropa, estava com a mão fora da cova. Senti um arrepio na minha espinha quando meu pai falou isso. Minha mãe ficou espantada. Temos que cobrir a mão novamente, disse meu pai. Eu não vou, falou minha mãe depressa. Eu falei que ia, mesmo com medo, mas precisava ver para acreditar. Antes de irmos, meu pai disse para minha mãe arrumar uma garrafinha de cachaça para levarmos até o túmulo. Meu avô sempre dizia que era bom levar cachaça até o túmulo, para que as almas que ainda não tivessem ido ao céu compreendessem que as pessoas que eles tinham deixado estavam conformados com a sua perda e que podiam descansar em paz. Chegando lá, fiquei impressionada. A mão estava mesmo para fora do túmulo. Minhas pernas travaram. O que foi, menina? Eu falei que era melhor não ter vindo. Agora me ajude, disse meu pai. Cavamos um pouco mais fundo e enterramosa sua mão. E, por último colocamos a garrafa de cachaça em cima do túmulo. Confesso que estou com muito medo. Ele era o único índio entre todos aqueles homens brancos. E somente ele estava com o lenço, e tinha sobrevivido há dois dias baleado no meio da roça. Será que ele tinha algum poder sobrenatural? Tenho que esquecer esse acontecido.
23 de janeiro de 1923
Tive pesadelos durante a noite. Sonhei que o índio estava querendo sair da cova e fazer algo que não pôde em vida. De manhã, contei para meu pai. Pedi para ele que me acompanhasse, para que eu visse que o túmulo estava tapado, e a lembrança do dia passado fosse esquecida. Chegando lá, os pesadelos começaram a se tornar reais. Minhas pernas fraquejaram novamente. Sua mão, a mesma do dia passado, estava para fora do túmulo. E a cachaça? A garrafa estava vazia. Corri para casa com muito medo. Meu pai ficou lá cobrindo novamente a mão. Cheguei em casa tremendo. Estou tremendo até agora. Fiquei o dia inteiro trancada nesse quarto. Será que aquele índio quer me dizer alguma coisa? Só sei que estou com medo de dormir. Não quero que ele atormente meu sono.
24 de janeiro de 1923
Não dormi quase nada, na noite passada. E quando dormi, os pesadelos voltaram. O índio tinha o crucifixo no peito, e me pediu que eu salvasse a sua alma. Devo estar ficando louca. Contei pra minha mãe o que estava acontecendo. Vou te levar na missa e você conversa com o padre, disse ela. Não fui ao túmulo para ver o que tinha acontecido. Ouvi meu pai falando escondido para minha mãe que a mão estava para fora. Sinto minha vida se tornando um pesadelo, uma assombração.Hoje vou tentar dormir mais cedo, quem sabe hoje durmo um sono tranquilo.
26 de janeiro de 1923
Ontem, não tinha coragem de escrever em meu diário. Encher ele de coisas ruins que me atormentaram o sono. Mas, hoje, estou confiante. O padre, ontem, me pediu eu levasse algumas velas, flores e um litro de cachaça e rezasse um terço no túmulo. Eu fiz como ele me pediu. Pedi para meu pai me acompanhar, porque minha mãe é uma medrosa. Meu pai antes de me levar disse que de manhã a mão estava para fora. Mesmo assim eu quis ir. Era a única chance de me libertar daquela assombração. Acendi as velas. Rezei o terço, pedi que descansasse em paz e que me libertasse dos pesadelos. Coloquei as flores e o litro de cachaça sobre o túmulo. Voltei para casa. Agora, estou mais tranquila.
27 de janeiro de 1923
Graças a Deus dormi que nem pedra, na noite passada. Hoje, me sinto mais leve. Meu pai me contou que a mão não estava para fora da cova. Umas vizinhas vieram passear aqui em casa. Contei a elas tudo o que aconteceu. Que o índio me libertou das angústias. Elas ficaram meio espantadas. Mas,carolas como são, já me pediram onde fica o túmulo para irem rezar para a alma do índio, que eu nem ao certo sei o nome. A vida, devagarinho, vai voltando ao normal.
 28 de janeiro de 1923
Xindangue. Xindangue. Xindangue. Maragato. Comandante da tropa. Roubou gado e fugiu. Na fuga ergueu a bandeira vermelha. Os inimigos para confundir ele levantaram bandeira vermelha. Combate. Morreu. Foi essa a história que ouvi do meu professor, hoje, sobre o índio que conheci na beira da morte e depois de morto. Pra mim, foi um comandante que lutou para vencer. E, hoje ajuda as pessoas a vencerem os desafios.
20 de fevereiro de 1923

A vida está tranquila. Hoje, fui ao túmulo, pois fazia quase um mês que não o visitava. Sempre tinha gente por lá rezando, levando flores, velas, principalmente, cachaça, pedindo e pagando promessa pro índio. O índio está ficando famoso por ajudar nos pedidos das pessoas e a sua história também. Muitos não acreditam na história que eu e meu pai contamos. Quem não quer, não precisa acreditar, a menos que o índio persiga seu sono, até ter que rezar para a sua alma.

Não é bicho, mas é bicho

por Greici Siezemel

Já dizia o meu pai que esse tipo de história não é de se falar, ficasó na memória daqueles que viram acontecer. Mas hoje, nessa noite fria de inverno gaúcho, vou contar para vocês o que acontecia quando aquele bicho estranho, que não era bicho, invadia nossa casa. A história é braba mesmo, mas eu sei que o causo vai morrer aqui e que vocês não vão falar pra ninguém. Isso pode virar maldição.
Faz muito tempo que tudo aconteceu, eu tinha sete anos, hoje estou com cento e cinco completos, mas lembro como se tivesse sido ontem. Recordo de todos os detalhes. Eu morava com meus pais e mais três irmãs num ‘casão’ grande, no Rincão das Bandeiras, onde hoje fica a divisa dos municípios de Chiapetta e Inhacorá. A casa tinha até um salão para dançar e fazer bailes, o soalho era alto e a cozinha era grande, dava seis metros quadrados, era barreada, bem fechada. Quem vizinhava mais perto de nós era a família do José, um homem meio velho que morava com suas filhas Eugênia, que tinha três filhos, e Rosa. A casa deles ficava a uma distância de 4 km da nossa, era a mais próxima.

Mas a história que quero contar para vocês é sobre um bicho muito estanho, feio mesmo, que aparecia lá em casa sempre de domingo para segunda e de quinta para sexta.

Mas a história que quero contar para vocês é sobre um bicho muito estanho, feio mesmo, que aparecia lá em casa sempre de domingo para segunda e de quinta para sexta. Nós tinha nove cachorros, mas eles não mordiam o bicho, ele é que dava bocada nos cachorros. Era parecido com esses macacos grandes e feios, a cara era igual à de macaco. Ele adorava ir no galinheiro lá de casa comer os pintos e se rolar no esterco, chupava as tripas dos leitões, que amanheciam todos mortos, dava pena de ver. Perturbava as galinhas e atacava os bezerros pequenos, não se tinha mais sossego.
Quando entrava na nossa casa, esse bicho ia reto no tacho de sabão, comia tudo o que tinha no tacho e saia vomitando sabão até 50 metros longe lá de casa.O comportamento parecia o de uma bruxa. A bruxa é um ser engraçado, aparece sempre de sexta para sábado e de domingo para segunda também. Já viram uma conversa no ar? Nunca viram? São elas. A bruxa sai da casa dela, tem asas e voa pelos ares, eu nem gosto de contar essas coisas. Mas não é de bruxas que vou falar hoje.
O bicho do qual estou contando incomodava por demais, a vizinhança toda tava revoltada. Um belo dia minha mãe ficou com raiva, porque ele tinha comido um eito de sabão, passava de cinco quilos o prejuízo e então ela pensou: “Vou fazer uma arte para ele, me dá vontade de colocar uma soda nessa panela pra ele vim comer e fazer uma armadilha pra ele não incomodar mais”. Minha mãe falou com meu pai e ele concordou com a ideia.
Meu pai foi até o mato do lado da nossa casa, pegou mais ou menos dez metros de cipó de guaimbê, um cipó forte, bem resistente, e fez, com muito cuidado, um laço. Minha mãe largou o tacho com soda perto de uma árvore que tinha sido cortada, e colocou o laço que meu pai fez dentro do tacho, pro bicho ficar preso quando entrasse na panela. A árvore era oca, mas encoberta por uns brotos, daí meu pai se escondeu dentro desse tronco da árvore cortada e ficou à espreita, esperando o bicho chegar. Eu, minha mãe e minhas irmãs, ficamos escondidas no meio do mato.

 A ponta do arado pegou bem em cima da perna dele e ele começou a perder muito sangue. Foi aí que descobrimos tudo!
Quando um lobisomem perde sangue, ele vai se transformando em gente. Minha nossa! Não dava para acreditar no que estava acontecendo:

Até que o dito cujo chegou e foi direto em direção ao tacho de soda, como ele sempre fazia lá em casa. Quando entrou no tacho, ficou preso pelas pernas no laço e caiu direitinho na armadilha. O bicho estranho começou a se bater: “pá, pá, pá, pá, pá”. Se bateu tanto que acabou se machucando num arado quebrado que tava do lado do tacho. A ponta do arado pegou bem em cima da perna dele e ele começou a perder muito sangue. Foi aí que descobrimos tudo!
Quando um lobisomem perde sangue, ele vai se transformando em gente. Minha nossa! Não dava para acreditar no que estava acontecendo: para surpresa de todos, o bicho era o vizinho José. Ele ficou completamente nu na nossa frente. Quem é que mandou vim pelado? De tanto se bater, conseguiu escapar e foi correndo pelado pra casa.
Mas essa história não acaba por aqui. O lobisomem ficou muito furioso com tudo aquilo, alguma coisa ele tinha que aprontar. Quando o relógio batia oito horas da noite, a Rosa, filha mais velha do lobisomem, digo, filha do José, bateu lá em casa apavorada. A filha dela, que tinha dois meses de idade, tinha sumido: “Um bicho pegou a criança dos braços da mãe” – disse a Eugênia, irmã da Rosa.Todo mundo foi campear a guriazinha, a primeira a pular da cama foi eu.
Entramos no mato das arvorezinhas e achamos a menina cinquenta metros longe da casa do José. O bicho cavocou um buraco e colocou ela lá dentro, mal-e-mal enterrou a criança. O rostinho dela tava comido, não tinha um braço e a as pernas tavam pela metade. Ninguém conseguia consolar a mãe, não gosto nem de lembrar. Mas no fundo ela sabia que tinha sido o próprio avô quem matou a pobrezinha. Não dava pra acreditar. Com lobisomem, não se brinca, se tem é medo!


A danada do Absoluto: a lenda da jovem que não dispensava uma boa diversão, sexo e álcool

por André da Costa
Jovem, bonita e encantadora. Quem olhava para Roberta, via uma menina doce e educada. Estudante de jornalismo, sonhava em trabalhar em uma grande emissora de televisão. Globo e CNN estavam entre seus principais objetivos. Adorava esportes. Não perdia um jogo do time do coração. Gremista de carteirinha, pôde, apenas uma vez, visitar o estádio do Tricolor. Um de seus desejos era conhecer a Arena, mas a jovem não conseguiu realizá-lo.
Sempre rodeada de amigos. Roberta não media esforços quando lhe pediam ajuda. Fosse ela financeira, ou um favor qualquer. A jovem, de 22 anos, nunca deixava seus companheiros na mão. Morava com uma amiga, em um apartamento bem localizado, no centro de Ijuí. Ambas eram colegas de faculdade. Porém, tinham sonhos diferentes. Mafalda almejava uma carreira como editora em algum conceituado jornal, na sua região mesmo. Costumava argumentar que sonhava pequeno, pois queria ficar próximo de sua família, que residia no município de São Luiz Gonzaga. A jovem sempre foi uma pessoa tímida, reservada e de poucos amigos. O contrário de Roberta que era extrovertida, alegre e sempre cercada por amigos.
Roberta vinha de uma comunidade humilde, do interior de Ijuí. Morou até os 17 anos no Rincão dos Brandão. O qual carregava o mesmo sobrenome da jovem. Filha única, por parte de mãe, possuía mais dois irmãos, filhos do primeiro casamento do pai. Não os visitava com frequência em virtude da distância. Ambos moravam em Novo Hamburgo. Mas, segundo Seu Osvaldo, pai de Roberta, ela admirava e amava cada um dos irmãos incondicionalmente.

O dia preferido da jovem era a sexta-feira. O motivo não era pela semana que estava acabando, mas, sim, por causa de um vício.

Por trás da aparência de boa moça, humilde, estudiosa e educada, existia uma Roberta que poucos conheciam. O dia preferido da jovem era a sexta-feira. O motivo não era pela semana que estava acabando, mas, sim, por causa de um vício.
Em Ijuí existia uma casa noturna que era o point dos estudantes que residiam na cidade. Toda sexta-feira acontecia a festa mais tradicional da semana. Era no Absoluto Gastro Pub, que os jovens se reuniam para conversar, dançar, beber e paquerar. Roberta não faltava uma noite. Quando chegavam as 21h, ia para o banho e se transformava. A moça delicada, de roupas comportadas, virava uma predadora noturna. Preto sempre foi sua cor preferida. Em seus vestidinhos minúsculos e justos, saía de seu apartamento seduzindo, desde o porteiro do prédio até o segurança da boate.
Era chamada, pelos amigos mais próximos, de “danada”. Não pelas roupas que usava para sair, mas pela transformação e pela malícia que a possuía nas noites de sexta-feira. A primeira coisa que fazia, ao chegar ao Absoluto, era sentar e beber. Pra ela, uma das maravilhas do mundo era a bebida, independentemente do tipo. Cerveja, vodca. Contendo uma porcentagem de álcool, por menor que fosse, ela tomava.
Nunca havia passado pela cabeça de seus pais que Roberta era assim. Pra eles, a filha apenas estudava e saía com os amigos para comer e tomar, no máximo, uma Coca-cola no bar da esquina de casa. Enganava-se quem pensava que a menina meiga era santa. Roberta ia além do Absoluto em suas noitadas de sexta-feira. A danada saía e entrava do local, duas vezes por noite. Aonde ela ia, era um mistério. Cada saída levava, em média, duas horas.

A jovem o chamava, carinhosamente, de P.A. O motivo, só as mulheres que possuem um entendem.

A fama da baixinha danada do Absoluto era grande entre os homens da cidade. E acredite, não era à toa que chamavam Roberta assim. Cada sexta-feira ela saía com o mesmo cara. A jovem o chamava, carinhosamente, de P.A. O motivo, só as mulheres que possuem um entendem. Mas, antes de sair com o fixo, era com os demais rapazes da festa que Roberta se divertia.
Desde o início de 2010, quando entrou na faculdade, sua rotina se resumia nisso. Trabalhar e estudar durante a semana, e na sexta-feira sair para se divertir. O motel que frequentava sempre era o mesmo. O quarto 23, do Motel Olympus, era onde costumava levar seus pretendentes. Roberta não cobrava pelos serviços sexuais. A única coisa que exigia era prazer.
Em uma noite de sexta-feira fria de inverno, do mês de julho, Roberta se arrumou para ir ao Absoluto, como de costume. A jovem não imaginava que aquela seria a última vez que sairia de casa. Chegando à boate, logo encontrou um de seus pretendentes. Sem opções para o início da noite, resolveu sair com ele.
O horário que a jovem costumava retornar para a festa era sempre às 4h. E o relógio já marcava 6h quando seu P.A, ainda lhe aguardava, na frente do Absoluto. Cansado de esperar, foi embora, sem entender os motivos pelos quais Roberta não havia aparecido. No dia seguinte, quando a camareira foi limpar o quarto 23, encontrou o corpo da jovem pendurado, pelas orelhas, atrás da porta. Na garagem, ainda estava o carro. Dentro dele, o corpo do rapaz que estava com Roberta e uma carta, sobre o peito do jovem.
A carta, encontrada no local, estava assinada. Quem havia cometido os crimes foi a amiga da jovem, Mafalda. O motivo teria sido o ciúme. Mafalda era uma menina tímida e que não costumava ter muitos amigos. Com inveja da vida da amiga, se vingou da maneira mais cruel: tirando a vida da jovem.

Desde então, as noites de sexta-feira nunca mais foram as mesmas. Sem a presença da danada do Absoluto, os rapazes pararam de frequentar o local. Reza a lenda que, por causa do acontecido, o Motel Olympus não possui mais o quarto 23.

O lobisomem das Três Vendas

por Sandro de Almeida

Esta história aconteceu em uma cidadezinha de nome esquisito chamada de Três Vendas. Os antigos moradores contam que sempre houve causos de estranhos acontecimentos nesta pacata cidadezinha. Fatos que intrigavam os moradores, pessoas estranhas circulavam por lá, coisas esquisitas aconteciam, sepulturas eram violadas, galinheiros eram arrombados; mesmo estes estando cadeados, amanheciam com sinais estranhos, galinhas apareciam com as cabeças decepadas, onde havia sinais de que somente o seu sangue tinha sido sugado, misteriosamente.
O povo daquela cidade vivia apavorado, não sabiam o que fazer. O medo rondava todos os lares, ninguém saía à noite com medo de ser devorado por algum monstro, o qual vagava pelas noites da pequena e fantasmagórica cidade. Até que um dia um morador do povoado do lado norte da cidade, onde até os dias de hoje existe um cemitério, escutou uns barulhos vindo de banda de umas tumbas, lá dentro do “sagrado” como chamavam os moradores da cidade. O homem não se avexou e, mesmo com medo, foi averiguar que barulho era aquele. Não se sabe até hoje: ele desmaiou quando avistou o que era, mas conta-se que o pobre coitado voltou para casa estarrecido e suando frio.

Alguém pensa que é fácil, ver o bicho e não poder fazer nada. Pois é, talvez fosse isso que seu João Maria pensou, era esse o nome do homem curioso.


Alguém pensa que é fácil, ver o bicho e não poder fazer nada. Pois é, talvez fosse isso que seu João Maria pensou, era esse o nome do homem curioso. Neste viés, existem alguns ditados populares, que dizem “a curiosidade matou um gato”, ou “quem procura acha”. Foi isso que seu João achou.
Um lobisomem, é isso mesmo. Descoberto agora o que assombrava a cidade, passou então a uma caçada ao bicho, vivo ou morto. Era assim que queriam vê-lo, mas o tal era arredio ou já possuía experiência de sobra sobre o povo das Três Vendas. Ele passou a aparecer somente nas noites de lua cheia, sempre fazendo o mesmo ritual, violando tumbas, chupando sangue de galinhas pretas, pretas, sim, senhor. Como nos conta o seu Zé Maria de Siqueira: “Uma certa vez nós peguemos o bicho num galinheiro, quando ele entrou foi eu, mais meu compadre João lá, e fechemos a porta com 7 cadeados. No outro dia tava lá o bicho veio peladão”.  Essa era uma noite clara e de lua cheia, e os moradores mais antigos juram que o bicho era filho do delegado da cidade. Que coisa, mas o pobre não tinha culpa de ter esse fardo com ele, como dizia seu João.

Até uma foto do bicho em pessoa os homens da cidade tiraram. Sim, essa foto rodou o mundo, mas hoje não se tem notícias de onde possa estar. 

Até uma foto do bicho em pessoa os homens da cidade tiraram. Sim, essa foto rodou o mundo, mas hoje não se tem notícias de onde possa estar. Os moradores da cidade até os dias de hoje acreditam que o lobisomem das Três Vendas existiu de verdade, pois os relatos são contados com veemência pelos antigos habitantes que ainda estão vivos. Essa é a real aparição do bicho. Ele foi pego no galinheiro do senhor João Paulo, onde se descobriu a verdadeira identidade do “bicho”. Diziam os mais antigos que depois desse dia o pai dele, por ser delegado, passou a deixar o pobre nas noites de lua cheia amarrado embaixo de um pé de figueira em frente a sua delegacia.
Ainda há alguns moradores que juravam ver o homem se transformando em bicho, mesmo estando amarrado embaixo da figueira. Ele transforma-se em lobisomem, saía e fazia todo o seu ritual de ataques às tumbas e aos galinheiros dos vizinhos, fazia arruaça com a cachorrada e quando era de manhã lá estava amarrado e pelado embaixo da figueira. Coisa estranha, mas acontecia, e até hoje acontece, “pois lobisomens existem e vivem assombrandoas pequenas cidades”, é o que dizia o Seu Avelino Dias. O fato é tão presente na memória daquele povo, que nas noites de lua cheia sempre tem alguém com os cabelos em pé.

“Ele tem a aparência de um monstro, se parece com um cachorro ou um burro talvez. O bicho se assustou com o ‘fleche’ da máquina e investiu pra cima dela, mas, como a câmara era de tripé, conseguimos salvar o filme”. 


A foto era mais ou menos assim, como conta o senhor Antônio Tellin: “Ele tem a aparência de um monstro, se parece com um cachorro ou um burro talvez. O bicho se assustou com o ‘fleche’ da máquina e investiu pra cima dela, mas, como a câmara era de tripé, conseguimos salvar o filme”. A foto do bicho que seu Antonio tinha em sua coleção foi extraviada. Desde então, o que povo sabe é que o tal do bicho ainda vem assombrar os medrosos da cidade, hoje conhecida como Inhacorá. Se é verdade, não se sabe, só o que se pode dizer é que o lobisomem das Três Vendas assombra a cidade nas noite de lua cheia, arrombando galinheiros e fazendo arruaça com a cachorrada. Verdade ou mentira, não se sabe, mas o fato é que o bicho existiu.

Lendas urbanas: a proposta

Os textos que você vai encontrar neste blog foram escritos para a disciplina de “Oficina de leitura e produção de texto”, do curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da UNIJUÍ. O ano: 2013, primeiro semestre letivo. O local: Região Noroeste do Rio Grande do Sul. Um aviso aos navegantes: trata-se de literatura, nada mais do que isso. Com toda a riqueza e a fatuidade da literatura.
O objetivo da atividade é despertar no estudante de Jornalismo o gosto pela ficção mediante o exercício da narrativa. O tema: lendas urbanas. Um tema vasto, sem dúvida, que permite desde a história de suspense e terror até as releituras dos contos de fada e das lendas regionais.
Interessante observar a recorrência de temas e motivos, como é o caso da figura do ‘lobisomem’, explorada por alguns dos jovens escritores. De lenda em lenda, eles prometem recontar todas as histórias.

O editor