quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Mistérios da meia-noite

Onde rascunhos é apenas o começo...

por Ethiene Kepler Neves

Segunda-feira, 4 de janeiro de 1962. Um dia como outro qualquer. Ontem à noite apenas o barulho se fez presente. A dúvida era grande, afinal: abrir ou não a janela? Conferir era o intuito. Dar um basta na dúvida... As palavras podem soar sem sentido, mas se faz sentir, faz sentido. O desejo e o prazer da certeza. A dúvida é sempre cruel. As pessoas dizem que estar louca é um estado de espírito, mas louca não seria o adjetivo ideal. Uma sombra e o som do barulho, eis as provas. Histórias se espalham pelos quatro cantos do mundo e, de fato, louca não é a descrição correta. A verdade é que de fato a história é real, e está se passando logo ao lado. Cachorro? Não. Assim como louca não seria o adjetivo, cachorro não seria a nomenclatura exata. Só o tempo dirá se todas essas anotações procedem e, amanhã, mais rascunhos serão esboçados. Um novo capítulo, de uma história que pode não ter fim...

Terça-feira, 5 de janeiro de 1962. O barulho novamente tomou conta do quarteirão. Eco é algo assustador afinal, é sinônimo de silêncio. A solidão é a melhor companhia, mas não numa noite como essa. Passar a noite na sala, dormindo no sofá: uma opção. Ouvir de perto o barulho e talvez solucionar o que já havia se tornado um problema. Uma noite fria, onde cobertas já não desenvolviam mais o seu papel. No momento de jogar lenha na fogueira, a janela estralou. Quando acontece, a primeira coisa que vem em mente é a madeira, nada, além disto. Mas quando os sons de passos se juntam com estalos, os batimentos se tornam acelerados e fortes. Ao se aproximar, um rato grande e cinza deu o ar da graça na cozinha. Não foi dessa vez. A única certeza que se pode ter é de que, louca, continua não sendo o adjetivo correto.

Quarta-feira, 6 de janeiro de 1962. Antes de dormir, a caneta e o bloco saem da gaveta e ganham vida. Talvez um dia tudo isso possa ajudar a chegar a uma conclusão – uma resposta, enfim. Noite de lua cheia. Ótima ocasião para fotografar a lua, o sol da noite. O flash chamou a atenção da janela ao lado da varanda. Os barulhos começaram mais cedo. Que tipo de barulho? Uivos. Uma vida toda convivendo com cachorros, e nunca nada nem parecido. A coragem tomou o lugar do medo, e fez com que a direção certa a tomar era a varanda. Com lençóis brancos sendo arrastados na madeira, em frente às escadas... Foi possível enxergar. Um vulto. Louca? Não. Constatar o óbvio é mágico. O ideal seria fotografar, pois valeria mais que mil palavras... É assim que a maioria pensa. O que era mais estranho do que a história em si, era o sentimento de seguir a diante, sem medo. Não era a melhor escolha a ser tomada, mas...

Quinta-feira, 7 de janeiro de 1962. Passar o dia em frente ao milharal, uma ótima paisagem. Existe terapia melhor do que sentar na varanda e sentir a brisa fresca? Não, não existe. Reservar algumas horas do dia para organizar as ideias foi o roteiro. A noite de quarta fez com que, a vontade de ir além dos degraus da varanda, fosse o próximo passo. O sol se despediu e deixou a lua brilhar em seu lugar. Era chegada a hora de se preparar para algo que poderia ser inesperado. No fundo era nítida a loucura, mas nada comparado ao prazer de se arriscar cada vez mais. O medo já não era mais cogitado. As janelas estavam todas abertas, com as cortinas brancas ao vento. A varanda era um cartão de visita, assim como a porta escancarada. Enfrentar o frio fazia parte do script. Sentar na cadeira de balanço e esperar.

Sexta-feira, 8 de janeiro de 1962. Uma experiência indescritível. Adrenalina e prazer juntos, numa explosão de endorfina. Como descrever em apenas algumas palavras tudo o que foi visto? O jeito é tentar, ao menos. Deixar a casa aberta foi um convite. Um convite compreendido. Os barulhos, uivos incessantes, deram início no horário de sempre. O que mudou foi a intensidade. À medida que o desconhecido se aproximava, as pupilas dilatavam e os batimentos aceleravam. O vulto era visível. Mãos peludas, garras. Algo grande e assustador. Assustador o suficiente para correr e conseguir fechar a porta a tempo. Era um lobo. Características humanas eram o tanto quanto exótico naquilo tudo. O medo ao fechar a porta, e a decepção de deixar “ele” ir embora. E agora? A impressão era de que ambos estavam gostando da situação criada. Parar? Sumir? Caso assim o fizesse, daria razão ao apelido Louca.

Sábado, 9 de janeiro de 1962. Histórias e mais histórias a respeito.  A televisão passou a noticiar casos de assassinato envolvendo alguém não identificado com características selvagens. Não seria ao contrário? Sim. Ninguém precisa contar quando se presencia o fato. Manchetes de jornais descrevendo as cenas dos crimes. Nada assustador. Tudo era fascinante. Estava decidido que a casa ficaria aberta e a cadeira em frente ao milharal seria o cenário de um próximo crime. Crime? Caso as anotações parem por aqui, todos saberão o que aconteceu. Essas anotações serão apenas lembranças de uma história. Talvez sirvam de provas que levem ao paradeiro do assassino. O sino bateu, marcando meia noite. O bloco estará aqui, ao lado da lareira. A casa estará aberta, convidando para que todos entrem e saibam a verdade. Louca? Louca pela verdade, pela ânsia de saber além do que se ouve dizer... Loucamente, apaixonada. 

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